“A possibilidade de ganhar dinheiro fácil.” A resposta é unânime entre estudantes cearenses que tentam explicar por que se viciaram em casas de apostas e jogos de azar como o “Jogo do Tigrinho”. O hábito invadiu as salas de aula, tirando do eixo não só a educação, mas a vida financeira já precária dos adolescentes – sobretudo os de escolas públicas.
⚠️ Atenção! O texto a seguir pode conter gatilhos emocionais. Pessoas com problemas de dependência ou vício em jogos podem recorrer a atendimento psicológico e psiquiátrico. Se, aliado a isso, você tem pensamentos suicidas, busque ajuda. O Centro de Valorização da Vida (CVV), por exemplo, oferece apoio por chat na internet ou pelo telefone 188.
Um dos alunos ouvidos pela reportagem, José*, 18, confessa que chegou a utilizar parte do benefício do Pé-de-Meia em uma das “bets”. “Peguei R$ 50 dos R$ 400, botei todo no Ceará (o time de futebol), e perdi”, lembra.
O vício ocupa não só o tempo livre em casa, mas os intervalos na escola e até as próprias aulas, tornando-se um desafio a mais para os professores e gestores, como lamenta a diretora de uma escola estadual de Fortaleza, que não será identificada aqui.
“Temos que ficar todo tempo em cima, senão eles ficam querendo usar na hora da aula. A gente se vale da lei estadual que proíbe usar o celular, mas o uso desse ‘Tigrinho’ é demais. É uma falsa ilusão de que vão ganhar dinheiro. Mas a realidade é que só perdem.”
Essa realidade é conhecida por José*. “Teve uma vez que com R$ 1 real eu fiz R$ 15. Apostei de novo, na ganância, e perdi tudo. Quando ganha, tu fica motivado, mesmo já tendo perdido muito. Pensa ‘agora vou recuperar tudo!’, mas vai só perdendo”, reconhece o jovem, que costuma apostar em duas “bets” diferentes.
Já Carlos*, 18, sucumbiu ao “Tigrinho”. “Quando ele paga, a pessoa fica na ganância, quer jogar mais e perde o dinheiro. Em qualquer momento a gente tá usando. Se tá com dinheiro e vê que o horário é bom, se desconcentra da aula pra jogar”, assume.
A gestora escolar ouvida pelo Diário do Nordeste compartilha que “todos os diretores falam que têm aluno usando esses jogos na escola”, e alerta que isso se soma a um desafio que já é imenso: manter os estudantes dentro da sala de aula.
Os impactos das perdas financeiras e os prejuízos educacionais causados pelas apostas são reconhecidos pelos estudantes que conversaram com a reportagem – mas todos reforçam que “não é fácil” parar de utilizar as plataformas.
Miguel*, 18, por exemplo, tem tentado se afastar do “Jogo do Tigrinho” e da “bet” que utiliza. “Parei mais um pouco. Mas de vez em quando dá uma recaída”, confessa, afirmando que já chegou a conversar com professores sobre o problema. “Eles não comentam, mas quando a gente puxa o assunto, eles falam pra gente não fazer (apostas)”, diz.
O Diário do Nordeste contatou a Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza (SME) e o Sindicato dos Estabelecimentos de Educação e Ensino da Livre Iniciativa do Ceará (Sinepe) para saber se estão cientes do problema e se há estratégias para abordá-lo e preveni-lo na comunidade escolar. As instituições não enviaram posicionamento até a publicação deste texto.
Também buscamos a Secretaria Estadual da Educação (Seduc), que respondeu por nota sem mencionar nenhuma estratégia ou providência sobre o uso de jogos de azar ou casas de apostas pelos alunos dentro da escola.
A Pasta se limitou a informar que "há uma legislação de 2008 no Ceará que dispõe sobre a proibição do uso de equipamentos de comunicação, eletrônicos e outros similares durante as aulas", e também que "segue a recomendação do Ministério Público do Ceará, de 2024, que orienta sobre o uso desses dispositivos no ambiente escolar".
A Seduc acrescentou que "nos últimos anos, vem orientando a utilização de ferramentas tecnológicas de forma pedagógica em sala de aula, inclusive o celular", e que "as escolas da rede estadual têm autonomia para definir em seus regimentos sobre o uso de recursos disponíveis em sala de aula e em outros ambientes escolares, com base nas legislações e orientações".
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